segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Africa X Brasil - Onde tudo começou

A palavra candomblé é, por classe, sinônimo de religião africana em muitos aspectos e principalmente na persistência da fé onde sempre foi e é usada ainda neste sentido. Isto ilustra muitas coisas. O negro foi extraído brutalmente de suas terras e vendido como uma mercadoria, escravizado. Aqui ele chegou escravo, como um objeto, nos fundos dos porões dos navios negreiros. Na viagem, no tráfico, ele perdeu personalidade, representatividade, mas sua cultura, sua história, suas paisagens, suas vivências vieram com ele. Estas sementes, estes conhecimentos encontraram um solo, uma terra parecida com a África, não apenas em aspectos físicos. Embora estranhamente povoada, o medo se impunha, mas a fé, a crença em sua “idolatria”, ajudava aos negros se fortificarem e tudo isso - o que se sabia - exigia ser expresso. Pode-se afirmar com precisão que a cultura do candomblé no Brasil nasceu nas senzalas com a junção de povos oriundos da África com seus costumes e deísmos. Provenientes também de milhões de negros de diversos países e cidades africanos, trazidos (arrancados) de seus lares, de suas famílias, de seus pais e filhos para trabalharem nas plantações de cana e café das aglomerações agrícolas de cidades baianas, cariocas, pernambucanas, maranhenses, cearenses e paulistanas e posteriormente, nos exércitos e fazendas de fronteiras do Rio Grande do Sul graças aos conquistadores portugueses, franceses, ingleses e de padres e bispos da época (que legaram aos brancos poderes de matar os negros e índios, afirmando que estes eram sub-humanos e não tinham alma, mesmo sendo batizados e, portanto, não haveria pecado). Nada aqui expresso é diretamente nem indiretamente contra a Igreja Católica, nem a sua sã doutrina, nem tão pouco ao passado desastroso de seus condutores, mas impiedosamente sou contra àqueles que desumanamente tratavam indigentemente criaturas tão iguais a eles mesmos e a qualquer um que sente o sofrimento de tão rica e cultural raça que é a raça negra. Embora eu até mesmo discorde do termo “raça” por este termo ser à base do próprio racismo. Milhões de negros foram massacrados e dizimados nas colônias e em navios negreiros. Porém, ironicamente (e bem ironicamente) podemos afirmar que se não fosse essa catástrofe ou atrocidade animalesca provocadas por “animais” considerados humanos, contra humanos considerados “animais”, hoje não teríamos o prazer de conhecer esta maravilhosa cultura que é a africanitude aqui no Brasil e em toda a América Latina, sem mencionar nos Orixás e seus axés. Impossível não salientar que esta cultura primitiva foi a mais inabalável e indelével em todo território latino-americano apesar das inúmeras culturas primitivas existentes aqui, como os astecas, incas, maias e os indígenas brasileiros e norte-americanos também passarem por tal cruel e desumano ato. Bem, se inferno existe, estes estão pagando por isso lá.
Ao contrário do que muitos acreditam, na África não existiam somente tribos de índios semi-culturados. Lá existiam e ainda existem, reinos com suas hierarquias (reis, rainhas, sacerdotes, príncipes, generais, exércitos, etc.) tais quais existentes desde a época em que houve a escravização; assim como, havia uma cultura avançada relacionada à religião e comércio em todo continente, inclusive possuindo muitas heranças culturais e com residuais influências egípcias, gregas, muçulmanas, persas e até mesmo judaicas que estranhamente adentraram nos territórios africanos.
No continente africano, muitos reinos com suas ricas e milenares cidades, foram extintos graças às influências e dominações cristãs e mulçumanas. Aniquilando o resto da cultura existente nos diversos países, enfraquecidos pela escravidão, tornando-os órfãos de seus Orixás. Através disso é fácil de verificar a razão pela qual, em muitas regiões africanas, o povo carece de energia (axé). Assim, sem Oxum (água); sem Ogum (trabalho / ferramentas); sem Xangô (justiça); sem Oxalá (paz); sem Yemanjá (estudo / psicologia); sem Nanã (origem, família); sem Odé / Oxóssi (comida / caça); sem Ossaym (remédio) etc, se tornam difíceis as condições de vida e de existência para aquele povo, uma vez que, vem se dissipando cada vez mais a tradição, o legado, passado de pai pra filho o que mantém vivo a tradição cultural de um povo com seus conhecimentos. A destruição de rios e matas, a mudança de educação e cultura, a industrialização e a evolução tecnológica, a expansão do cristianismo sem um diálogo inter-religioso, vem alterando drásticamente o comportamento e o pensamento das famílias ali existentes sem permitir a tenacidade do conhecimento primitivo e nem sequer tentar achar as razões de seus fundamentos. É bom saber, que ainda existe cultura na África, mesmo que seja em poucas regiões. Lá ainda existem reinos, príncipes sacerdotes onde possamos levar e trazer fundamentos, realizando a tão sonhada e difundida união entre continentes, encravada, relacionada e vastamente disseminada por autores como Pierre Verger e tantos outros. Aqui no Brasil, similarmente, em várias senzalas brasileiras, foram aglomerados negros de diversas estirpes, que se uniram culturalmente; trocando, dividindo, partilhando fundamentos de culto e prática religiosa. Hoje, aquelas senzalas se transformaram nos terreiros de candomblé. Sejam eles dos simples e pequenos ou grandes e suntuosos. O exemplo disso, grandes terreiros de Salvador e de outras cidades foram oriundos de senzalas e de quilombos. O grande Ilê Axé Opô Afonjá nasceu assim. Mesmo não mantendo a simplicidade daquela época, que traziam os Orixás vestidos na chita e alinhagem e palha, com casa de paredes de barro e chão de terra batida à cinzas, com cozimentos de panelas de barro e instrumentos de madeira que, com a evolução dos tempos cederam lugar aos adereços e axós (roupas) ornados de ricos brocados, cetins e sedas, miçangas e lantejoulas, com ilês (casas) e salas de pisos de mármore e cerâmica, aos ajeuns (comidas) cozidos em panelas de pressão e outros metais, instrumentos de alumínio ou inox, tornando muitos terreiros de candomblé dos simples e “pobres” escravos em renomados palacetes africanos no meio do coração das diversas selvas de pedra de nosso país. Tudo isso sem alterar a essência de nossos Orixás, sem deixá-los esnobes ou soberbos. O Orixá/Vodum/Inkice por ser energia é imutável. Mas exemplifica aí a dedicação de pessoas simples que tem amor por essa religião já rica por natureza. É felicitoso até mesmo por escutar de um amigo que disse que “Candomblé hoje é luxo”, uma vez que na evolução dos tempos e dos homens o Candomblé invadiu sutilmente os lares da classe média alta, colocando médicos, odontólogos, advogados, juízes e tantos outros profissionais liberais e de classe nas camarinhas para iniciar-se nos fundamentos do candomblé o que era apenas um privilégio das classes menos favorecidas passando pelos muitos fundamentos e pelas convivências primitivas que um iniciante (yaô) passa pra reviver o modo de vida dos negros primitivamente africanos. Por outro lado, não é somente expresso aqui o sofrimento da diáspora africana. Mas, sobretudo o legado religioso ora implantado aqui no Brasil por essa brilhante raça, que mesmo com aspectos primitivos infundiu no seio do povo latino-americano a nobreza de uma religião tão rica em elementos naturais, puramente amantes da natureza e que liga este mundo ao outro numa sincronia inigualável aonde o supremo vem ao meio do povo, se tornando como eles, para dividir as alegrias e tristezas, dores e prazeres, conquistas e derrotas, amores e ódios, todos eles repletos destes sentimentos e comportamentos puramente humanos, tais quais foram um dia.
Na África cada Orixá estava ligado originalmente a uma cidade ou a um país inteiro. Tratava-se de uma série de cultos regionais ou nacionais. Xangô em Oyó, Yemanjá na região de Egbá, Ewá em Egbadô, Ogum em Ekiti, Irê e Hondó, Oxum e Logum-Edé em Ijexá, Ibahin e Ijebú, Oxóssi em Ketu, Nanã em Saluvá, Omolú (Obaluaiê) em Sakpatá, Erinlé em Ilobú, Oxalá e Obatalá em Ifé, subdivididos em Oxalufã em Efã (ou Efon) e Oxaguiã em Ejigbô. Outros locais definidos foram rios, vales e montes. A exemplo disso temos Yemanjá no rio Ogum, Oxum e Obá nos rios de seu próprio nome, Okê nas montanhas de seu nome também. Aqui no Brasil eles em si, se uniram em únicas e restritas nações, como se as suas nações, de antes, fossem abolidas e que de fato, pela diáspora fora esquecidas ou como se encontrasse asilo nas nações de seus outros irmãos obedecendo a seus fundamentos e comportamentos, cores e formas. Portanto, o Orixá Xangô rei de Oyó aparece na nação Ketu onde Oxóssi ainda é rei. A Nanã de Saluvá e o Omolú de Sakpatá podem também se encontrar em Ketu, embora sejam oriundos de territórios Jêje, etc.
Em outras palavras, o culto aos Orixás aqui no Brasil abrangeu diferentes ritos a que se convencionou a chamar de “nações” que são, portanto organizações originárias de diferentes etnias, troncos lingüísticos e regiões africanas, que constituíram no Brasil através de agrupamentos de escravos de diversas origens, em processos de sincretismos ás vezes oriundos já na África. As matrizes principais existentes no Brasil são três: a de origem banto, iorubá e haussá.
A primeira originou o que chamamos aqui no Brasil de nação de Angola, uma vez que os bantos realmente são originados de Angola no Centro Sul da África e foram destinados ao estado da Bahia onde se instalaram.
O ioruba (Nagô) são os negros trazidos da Nigéria e Costa do Marfim no noroeste da África e chegaram a Pernambuco. O povo Nagô trouxe consigo a maior riqueza religiosa junto consigo que originou a diversidade de nações afro-religiosas no Brasil, unidas num mesmo comportamento, dialeto, forma de culto e nomenclatura dos Orixás. Os nagôs originaram nações como o Ketu, Alaketu, Ijexá, Bossô, etc.
Os haussás foram trazidos do Sudão no norte da África e levados para o Maranhão e o Pará e ali originaram as nações Fon (Efon), Ibós, Dogons, Sererês, etc.
Em muitos reinos / cidades, cultuavam-se diferentes Orixás em cada raiz (família) como também em muitos locais eles conheciam estes mesmos Orixás por diferentes nomes. Ex: Obaluaiê e Omulú em Ketu (Nagô) é o mesmo Sakpatá, Xapanã ou Ajumberú em Jêje e também Cafunji ou Cafungira em Angola, (que é o mesmo Orixá sem nenhuma alteração ou diferença mudando apenas determinados princípios e fundamentos de culto). É interessante como, mesmo mudando a nação, as saudações, as predileções e tabus alimentares, kizilas, comportamentos são iguais. Por outro lado, insígnias, cores, ritmos de toques e de danças, vestimentas e outros detalhes se diferenciam.

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